Como quem escreve com sentimentos |
Estou sujeito ao tempo sou este momento perguntam-me quem fui e permaneço mudo o tempo poisa-me nos ombros em relento partiu no vento essa mulher e perdi tudo Já não virá ninguém por muito que vier em vão esperei a rosa da minha roseira quando um pássaro sai dos olhos da mulher é porque ela é de longe e não da nossa beira Resta-me um sonho desconexo e desconforme Na haste da camélia que o vento quebrou jamais a vida branca como ela dorme Eu era essa camélia e nunca mais o sou A minha vida é hoje um sítio de silêncio a própria dor se estreme é dor emudecida que não me traga cá notícias nenhum núncio porque o silêncio é o sinónimo da vida O mundo para além dessa mulher sobrava tudo vida vulgar tumultuária e cega o brilho do olhar equilibrava a chuva nas suas costas hoje toda a luz se apaga Mulher que um golpe de ar me pôde arrebatar. enfim não existia ou só ela existia Asas que ela tivesse deixou-as queimar e tê-la-á levado estranha ventania Daqueles traços fisionómicos de pedra não quero já ouvir a voz que às vezes vem na calma destacada por um cão que ladra Não há ninguém perto de mim sinto-me bem Cada casa que roço é escura como um poço se sou alguma coisa sou-o sem saber sossego solitário sem mistério isso talvez tivesse sido o que sempre quis ser As flores vinham nela e era primavera mas tanto a nomeei e tanto repeti erros numa estratégia imprópria para ela tamanho amor expus que cedo a consumi A noite quando ao fim descer decerto há-de ser certa solução. Foi há muito a infância Ao tempo o que tu tens tu bem o sabes cede estendo as mãos talvez te fique a inocência A vida é uma coisa a que me habituei adeus susto e absurdo e sobressalto e espanto A infância é uma insignificância eu sei e apenas por a ter perdido a amamos tanto Estou sozinho e então converso com a noite das palavras que nos subjugam nos submetem As coisas passam e em vez delas é aceite o nosso sistema de signos onde as metem Esta minha existência assim crepuscular devida àquela que é rastos destroços restos acusa hoje alguma intriga consular de quem não tem cabeça a comandar os gestos Foi uma rosa rubra a autora desta obra aberta e arrogante grácil flor do instante que triunfante não há coisa que não abra para ferir quem a viu e morrer de repente E noite sou e sonho e dor e desespero mero ser sórdido e ardido e encardido mas já não tarda a abrir-se na manhã que espero um arco com vitrais aos vendavais vedado E embora a minha fome tenha o nome dela e da água bebida na face passada não peço nada à vida que a vida era ela e que sei eu da vida sei menos que nada Ruy Belo |