Ao remexer nos meus papeis, encontrei o texto que abaixo transcrevo.
Heidelberg, 25/04/2006
Hoje apetece-me escrever, situação que, já há muito tempo não sucedia, sinal que não tenho andado bem, no que ao estado psicológico diz respeito.
Dizem que com o aumento da idade, as pessoas começam a ser mais afectadas pelo estado do tempo. Até há bem pouco tempo - o pouco tempo, retrata um período de oito anos – eu sorria sempre que escutava esta afirmação, pois era bastante céptico e também porque o meu “habitat” era um rectângulo no sul da “Europa”, a que o poeta chamou “UM JARDIM À BEIRA MAR PLANTADO”.
Com o deslocamento do meu “habitat” mais para norte, o sol foi fazendo cada vez menos parte da minha vida e, consequentemente, os meus estados de alma foram-se alterando, dando azo a estados de grande ansiedade, alternando com outros de alguma alegria.
Retrospectivando, chego à conclusão que, a ausência de sol deixa-me triste, deprimido, ansioso, enfim um estado que, quando se juntam as três componentes, me põem de rastos.
Naquelas alturas, talvez ajudasse a melhorar se pegasse numa esferográfica e escrevesse. Mas não. O que sucede é que só me apetece ficar num canto, parado no tempo e no espaço esperando que o tempo passe o mais depressa possível. Nem só os aspectos meteorológicos, como é lógico, interferem com os meus estados de alma. Antes dos efeito meteorológicos, e muito mais importantes, existem outros factores que passo a enunciar:
- Estar longe do meu “JANECA” e da minha “PIPINHA”, os filhos mais queridos e compreensivos que alguma vez existiram;
- Ter perdido ao fim de trinta e tal anos, o amor da minha companheira, amante, amiga e sei lá mais o quê. Esta falta, se dissesse o contrário, mentiria, ainda não foi ultrapassada, e em boa verdade, não sei se irá ser, não obstante dar a entender o contrário. Por ela, passava muito do meu equilíbrio psíquico;
- Os meus amigos, nos quais incluo a minha família mais chegada;
- O céu azul, a luminosidade, o rio, as colinas, em suma a minha “LISBOA”
- Não poder, com regularidade, ir à “CATEDRAL” ver o meu “BENFICA”, ver jogos de Rugby;
- Passear à beira-mar;
-Ter fins-de-semana;
-Olhar para o fulturo, e começar a interiorizar que, possivelmente, vou ficar por estas paragens mais cerca de 10 anos, ou seja, até atingir a data legal para a reforma, isto se, entretanto, não aparecer por aí algum louco que alargue o limite de idade para se aceder à mesma.
Depois de enumerar, aqueles que considero os factores mais importantes para as alterações do meu estado psíquico, ou antes, os que influem negativamente, não vou enumerar os que influem positivamente, pois é fácil saber quais são.
Passaram dois dias sobre o começo desta escrita, que não sei bem o que é.
Diário não é. É sim, uma forma de transpor para o papel, o meu sentir.
Hoje o dia amanheceu cinzento, e por volta das oito horas começou a chover e assim se tem mantido todo o dia. Como já vem sendo hábito, a minha disposição, está como o tempo “UM ESCREMENTO”.
Falei com o “JANECA” o que é sempre bom. Deu-me notícias da “PIPINHA”, que se encontra em MARROCOS, transmitindo-me um pedido, se lhe ligava, já que de lá não consegue enviar mensagens. Como não seria de esperar outra coisa, liguei. Como foi bom ouvir a sua voz, e saber que está tudo a correr bem e que está a adorar.
Estes dois acontecimentos, foram dois raios de sol que amenizaram o meu estado de alma.
Sou um animal de família! Estar longe da mesma, é muito complicado. Sinto imenso a falta de todos, mas na maior parte das vezes, e, como forma de os não preocupar, não dou a entender, e, mesmo que as coisas não estejam bem, o que deixo transparecer é precisamente o contrário. Esta maneira de os proteger não é a mais adequada, e tem-se manifestado bastante incorrecta.
Hoje, é dia dois de Maio. Mais um fim-de-semana passou, e como tantos outros passei-o trabalhando. Provavelmente não é a forma mais correcta de levar a vida, mas, é a que proporciona a ilusão que o tempo passa mais depressa. No entanto, também tem uma virtude, faltam menos três dias para o Natal, uma quadra que, me é tão querida, e que, de há dois anos a esta parte, tem uma sensação de vazio. Esta constatação, como é lógico, tem a ver com o meu lado “DE FAMÍLIA”. Não obstante ter estado sempre acompanhado por familiares, os que eu mais gostava e desejava, não estão.
Hoje é dia 18 de Maio. Quase há um mês que não escrevia. Esta ausência, nada tem a ver com os meus estados de alma. Simplesmente tenho tido muito pouco tempo, ou nenhum, para tal, nomeadamente aos fins-de-semana. Os sábados e domingos têm sido de loucos, ao ponto de, num espaço de 24 horas, ter de ir a Viena e voltar. Como reflexo, sinto-me bastante cansado, pois a semana nunca dá para recuperar na totalidade. Ao fim de oito anos, tenho pena de não ter anotado os quilómetros que diariamente faço. Já deve ser uma cifra engraçada.
Esta Alemanha, continua igual, no que ao clima concerne. Não consegue surpreender-me, pois após um dia quase invernoso, só não é porque a temperatura não deixa, sucede um dia de calor, com temperaturas a atingir quase 30º Célsius. Sinto-me em baixo. O tempo está chuvoso, cinzento.
Para ser mais preciso, sinto-me nostálgico, fruto do que hoje observei quando viajava. Vi uma seara salpicada pelo vermelho das papoilas, que, teve o condão de fazer-me recuar no tempo quase cinquenta anos. Voltei à minha infância, ao bairro onde cresci, e que, não obstante ser em Lisboa, era rodeado de campos agrícolas, onde se semeava trigo, e, a fazer fé nos entendidos, passei uma infância bem agradável e feliz, pois as recordações que tenho, são só as boas. Lembrei-me dos amigos com quem joguei à bola, o meu irmão, o Narciso, o Rui, o Tó Rico, o Raul, o Álvaro, o Luís, o Jorge, o Horta, o Dérinho, enfim a rapaziada lá do bairro. Os tempos eram outros. A vida bem mais calma, os perigos bem menores. A aventura do 1º dia de aulas na instrução primária, a primeira briga, a primeira queda, ao saltar com o eléctrico em andamento. Enfim apesar da nostalgia, estas recordações sabem muito bem.
Vou ficar por aqui, pois tenho de levar um trabalhador ao aeroporto de Frankfurt, que vai para Portugal, que mal isto me faz, mas tem que ser.
Tomei uma decisão. Só fico na Alemanha até ás férias de Natal. Não regressarei em 2007. Quando for de férias vou procurar trabalho em Portugal.